Esse mês foi lançado uma serie na Netflix que me chamou a atenção pela rapidez de se tornar o top 1. Chama-se Sex Life. Assisti dois capítulos e fiquei intrigada pela razão de muitas pessoas assistirem a série. Para resumir, fala de uma mulher casada com um homem que, segundo ela, é maravilhoso, porém, ela está frustrada em sua vida sexual. Deixando os fetiches à la cinquenta tons de lado (coisa que achei meio forçado na série), o que ficou óbvio é que falta PRAZER.
E fiquei pensando no quanto as mulheres estão nesse lugar em suas relações de casal (geralmente isso ocorre mais em relações hetero). Um lugar de falta de prazer na intimidade.
Durante muitos anos, as mulheres sofreram diversos tipos de repressão a respeito de seu corpo. Não precisamos detalhar a história, basta dar um salto e chegar no evento mais conhecido e difundido no mundo ocidental: a história de Eva, aquela que experimentou o fruto proibido e condenou todos à expulsão do paraíso. Essa culpa embutida no inconsciente coletivo somado a centenas de anos de violência, abuso, repressão do prazer feminino, pecado, entre outros comportamentos, deixou o campo mórfico da mulher pesado e com muitas informações de dor, frustração, pesar, culpa e repressões de todo o tipo.
E é essa reflexão sistêmica que quero levantar.
Para começar, campo mórfico, é um lugar onde todas as informações de uma espécie ficam registradas. Tudo o que se refere ao comportamento de uma espécie, desde os primórdios, vai para esse “baú invisível”. Quanto mais um comportamento se repete, mais informações sobre ele ficam armazenados nesse campo (baú) e mais influência vai exercer sobre os que vierem depois (descendentes). Essa influência é inconsciente, porém a sentimos como uma força interna quase inevitável.
Trazendo para nossa reflexão, acerca da sexualidade e do prazer feminino, vamos pensar assim: durante séculos milhares de centenas de mulheres nem sequer cogitavam a possibilidade de sentir prazer em seus corpos sem serem excluídas e rejeitadas pela sociedade ou pela igreja. Essa informação de repressão do prazer feminino foi armazenada durante todo esse tempo no campo mórfico das mulheres. Claro que elas irão influenciar a forma como nós descendentes lidamos com a questão.
Não vamos muito longe. Paremos para pensar na nossa mãe. Ela sentia prazer? Falava sobre isso abertamente? Ela conseguia lidar com o seu corpo de forma fluida? E nossa avó?
Nas obras do Bert Hellinger ela cita que a primeira ordem do amor na relação do casal é o equilíbrio entre o dar e receber nesse quesito. Mais do isso, por se tratar de uma força criadora de vida, todas as expressões de intimidade são consideradas sagradas.
O interessante é que quando uma pessoa quer constelar a relação de casal, em nenhum momento traz a questão da sexualidade. Contudo, no desenrolar do trabalho vemos o quanto ambos estão desconectados dessa força. E muitas das vezes isso ocorre não apenas pelos tabus familiares, mas sim, por todas as informações ancestrais de repressão e dor acerca do tema.
“O que mantém a relação de casal coesa é, em primeiro lugar, a consumação sexual do amor. Ela nos conecta profundamente com essa força, por isso também é algo espiritual. Alguns desvalorizam a consumação sexual, considerando-a um instinto ou algo que se opõe ao espírito. Trata-se, porém, do contrário.” Bert Hellinger em Amor à segundo vista, pg. 17
Mas nem precisamos estar numa relação de casal para falarmos de prazer. Quantas mulheres buscam o prazer sozinhas? Você se toca? Conhece seu corpo? Ou acha que é besteira porque tem coisas mais importantes para fazer? É incrível pensar que o corpo feminino tem uma fisiologia que sustenta o clímax durante mais tempo que o homem (já sabemos sobre os orgasmos múltiplos femininos), porém acessamos esse clímax em número infinitamente menor que eles. Algo está errado aqui.
O que tem de informação no nosso corpo, a ponto de ir contra nossa própria fisiologia? É como ter um celular com vários aplicativos instalados que trariam inúmeros benefícios para nós, porém não usamos. O que impede?
A influência dos campos mórficos é tão intensa que, mesmo quando desejamos muito fazer algo diferente, parece que tudo conspira contra. É quando, por exemplo, desejamos muito sentir prazer (seja sozinha ou com o parceiro), porém, parece que o corpo não tem libido, ele não responde aos estímulos, ou então, atraímos um parceiro que não está nem aí para nosso prazer. Em casos mais severos, há inclusive alguma disfunção fisiológica instalada, como vaginismo, dispareunia, anorgasmia, entre outras. O quanto dessas disfunções estão sendo influenciadas por nossa ancestralidade? (Claro, estou falando aqui como observadora sistêmica, quando se trata de uma disfunção, precisamos ver várias frentes, ok?).
Para finalizar, já que o tema se estende por sua complexidade, numa visão sistêmica, observamos o que tem de informações no sistema familiar que nascemos: o prazer feminino é tabu? Como são os modelos de relacionamento? Há abusos, incesto, ou qualquer tipo de violência? Há pessoas que fazem parte de alguma religião onde a castidade e o celibato imperam? O que aconteceu com as mulheres que reivindicaram seu prazer, foram excluídas do sistema?
Tudo isso tem grande influência sobre nosso comportamento sexual e principalmente em relação às experiências que atraímos para nossa vida.
O relevante aqui é que podemos mudar. Assim como tudo o que ocorreu antes de nós foi armazenado no campo mórfico do nosso sistema familiar e nos influencia, assim também, o que fazemos agora, vai nutrir esse mesmo campo, e consequentemente influenciar as gerações seguintes, ou o meu eu no futuro.
Olhar para o prazer através de uma constelação é uma experiência maravilhosa, ela pode revelar essas dinâmicas ocultas que nos influenciam negativamente. Pode nos ajudar a liberar culpa, frustração, medo, e nos abrir para mais vida. Quem sabe assim podemos dizer às nossas ancestrais que não puderam sentir prazer: “Mesmo que não tenha sido possível para vocês, agora é possível para mim. Me permito sentir prazer, e através de minhas células, vocês também recebem um pouquinho desse prazer. E assim vamos para mais vida.”